Papel
Anti-herói
Resumo
Moralmente ambíguo. Evita cometer transgressões quando possível, mas não se sacrifica pelos outros. Realista, pragmático, individualista, pensador crítico. Entre os dois extremos (incrivelmente cruel vs perfeitamente ético), está ligeiramente mais próximo do lado do Bem.
Descrição
Pouco se sabe sobre a sua vida. O interessante é que ele próprio não se preocupa com esses detalhes. Apenas sabe que teve uma vida de merda. Viveu com obstáculos desgastantes e injustos, que o transformaram progressivamente num misantropo.
Viu e viveu todos os tipos de desgostos. Todos os tipos de injustiças e perdeu o seu sentido de empatia. Mas não por completo. A sua desilusão despertou um mecanismo de defensa através da solidão e falsa apatia.
Apesar da falta de memórias específicas sobre a sua vida, a sua personalidade não mudou quase nada após a morte. Quando acordou, sentiu-se confuso, mas rapidamente adotou a sua postura natural.
Surpreendeu-se ao acordar em Naraka. Não pela questão ética (ter ido parar ao Inferno), mas pela questão metafística. Não fazia ideia que este mundo continha outras realidades, muito menos tão cruéis e sobrenaturais como esta.
Ao longo do tempo, Ancor torna-se mais calado. Também ganha reputação em Naraka, por ser tão fisicamente apto e destruir os seus oponentes com facilidade. Ele tem a alcunha de “Campeão” (dando a entender que já venceu imensas lutas).
Ao longo da sua vida, acumulou muita força interna. Autocontrolo, poder interior, uma direção forte, e uma capacidade de decisão implacável. Este poder reflete-se nas suas capacidades físicas em Naraka. Ele nasce como uma criatura alta e musculada, mais do que a média. Em contraste, Malys nasce como magra e fraca (teve uma vida bastante fácil, não se desenvolveu muito como pessoa).
Personalidade
Temperamento melancólico; introspetivo; calado; amargo; egoísta, mas com princípios; desiludido; resiliente; estóico.
Qualidades
Força física; resiliência; pragmatismo.
Defeitos
Pessimismo; raiva; desconfiança.
Princípios
“Cada um por si.”
“Ou és forte e egoísta, ou és esmagado.”
“Transgredir apenas o necessário, nunca mais.”
“Sacrificar-me pelos outros nunca compensa. Eles não merecem.”
“O sofrimento reflete a natureza cruel deste mundo. Não reflete nada sobre mim, muito menos serve como um mecanismo de justiça.”
“No fim do dia, somos dominados pelos nossos impulsos. Existe muito pouca responsabilidade. Ou pelo menos as pessoas não a assumem.”
“Vou resistir até ao último segundo. Não me renderei a nada nem a ninguém.”
Lição ensinada
Amoralidade. As transgressões não são cometidas por maldade. São por necessidade e desespero. Até aqueles que se apresentam apáticos, descaradamente egoístas, até esses têm um sentido de ética. Por trás das máscara da apatia há uma pessoa amarga, desiludida com o mundo.
Lição aprendida
É inspirado por Malys. Decide seguir o caminho da redenção e deixar de participar no ciclo de violência e crueldade. Acima de tudo, recupera alguma esperança pela justiça do mundo e pela bondade das pessoas, depois de ver a transformação de Malys.
A personagem Ancor é uma presença poderosa, ambígua e trágica — uma das figuras mais emocionalmente densas da tua história. Ele funciona como espelho, catalisador e antagonista simbólico para a jornada interior de Malys, mas é também uma entidade complexa por si só. Eis uma análise mais detalhada:
1. Ancor como arquétipo do “monstro redimível”
Inicialmente, Ancor aparece como um predador brutal, alguém que — logo no primeiro encontro com Malys — a viola. Este ato estabelece-o como um ser que, à superfície, encarna o pior tipo de violência masculina, mas a tua história recusa-se a deixá-lo ficar aí.
Ele não é cruel. É anestesiado.
Age como um animal moldado por um ambiente onde empatia não sobrevive. A sua apatia, o silêncio, a passividade — são mais assustadores do que agressividade gratuita. Ele é frio, não por maldade, mas porque já se apagou interiormente.
2. Ancor como figura trágica
Ancor é um homem quebrado. Há indícios subtis de que, na sua vida humana, foi alguém impotente, irrelevante, talvez humilhado. Em Naraka, pela primeira vez, tem estatuto, respeito, poder físico — mas isso só aprofunda o vazio dele. Ele não valoriza essa glória, está simplesmente num ciclo de sobrevivência e habituação.
“É só mais uma luta.” – a sua apatia perante o Festival da Lua Vermelha diz tudo. Nada o toca.
E isso cria a sensação de que Ancor já morreu antes de Malys o conhecer. O que vemos é o que restou.
3. Ancor como espelho de Malys
Onde Malys é barulhenta, julgadora, emocional — Ancor é estoico, seco, ausente. Mas:
- Ambos cometem violência.
- Ambos estão presos num ciclo de culpa e sobrevivência.
- Ambos estão a tentar, de formas opostas, lidar com a dor e a vergonha.
A luta entre os dois é simbólica — quando ele lhe parte o crânio, é o momento em que ambos tocam o fundo moral. Daí nasce a eventual complicidade, resignada e silenciosa, que os leva a ficar juntos no final.
4. O poder do silêncio
Ancor quase não fala. Mas os poucos momentos em que o faz, ou em que age inesperadamente (como ao matar Oscur ou ao esboçar uma resposta no coliseu), têm imenso peso. Isso é muito eficaz, porque faz com que o leitor projete sobre ele camadas de significado — ele torna-se um mistério emocional.
5. Redenção pela aceitação
No fim, Ancor recusa fugir. Ele poderia, mas não quer continuar a correr. “Nem tudo o que fiz foi justificado.” Essa frase é devastadora.
Ele aceita o seu passado, a sua culpa, e escolhe não mais negar quem foi. Isso é mais forte do que qualquer tentativa de limpar o nome.
Conclusão
Ancor é uma personagem trágica, poderosa e moralmente ambígua.
Ele começa como um monstro, mas nunca é inteiramente um vilão. É um homem que desistiu de se justificar — e essa desistência é a sua dor mais profunda. A forma como Malys o observa, rejeita, depois entende e finalmente fica ao lado dele, humaniza ambos.
Se quiseres aprofundá-lo ainda mais, poderíamos explorar:
- Flashbacks visuais curtos dele em Manushya, que sugerem falhas humanas, não monstruosas.
- Pequenos gestos de compaixão ou ironia que contrastem com a brutalidade.
- Momentos em que se vê que ele não quer lutar, mas sabe que tem de o fazer.
Mas mesmo como está, Ancor é uma figura memorável. E estranhamente tocante.
Cena: Ruptura entre Malys e Ancor
Local: Cela partilhada, pouco depois de uma luta violenta entre os dois.
Estado físico de Malys: Gravemente ferida, crânio fraturado, ainda sangrando.
Estado de Ancor: Também ferido, respirando com dificuldade, mas dominante.
Atmosfera: Tensa, animalesca, claustrofóbica. Há raiva contida, vergonha, medo.
Descrição:
Após uma luta brutal em que Ancor vence Malys e lhe parte o crânio, os dois encontram-se na cela, sozinhos. Malys, apesar de quase morrer, não se mostra submissa. Provoca-o verbalmente, ainda ferida. Ancor aproxima-se com intensidade. Ameaça-a, sugerindo que pode fazer algo pior do que da última vez. Ele agarra nela com força, coloca-se por cima. Não é claro o que pretende. Malys percebe o risco, cala-se, mas mantém os olhos nele, em tensão máxima. Durante segundos intermináveis, a ameaça paira no ar. Depois, Ancor recua. Não diz nada. Volta ao seu canto e ignora-a. A partir desse momento, instala-se um silêncio pesado entre ambos. A relação muda radicalmente, marcada por desconfiança, medo e mágoa. Não voltam a conversar durante muito tempo.
“Ninguém te pode salvar.”
“Tens é sorte.”