Arquétipos: Malys

Papel
Caráter Comum -> Heroína

Resumo
Caráter moralmente comum, sem ser excecionalmente bondosa nem malvada. Vê-se (erradamente) como heroína. Vê os outros como malvados. Preocupa-se sobretudo com a sua própria sobrevivência. É cega para a sua própria falta de ética e egoísmo. Aprende, com o decorrer da história, que este mundo não pode ser dividido entre os “bons” e os “maus”. Ela merece estar no Inferno pelas suas transgressões. Deixa de ver as atrocidades cometidas pelos outros como atos conscientes de maldade, e mais como atos de desespero.

Teatro da Mente
Os capítulos do Teatro da Mente revelam momentos críticos da vida humana de Malys. Alcançou sucesso financeiro durante a vida. Viajou bastante, conheceu muitas pessoas, saboreou a vida. Mas foi sempre individualista. Mesmo em períodos dolorosos durante a vida de familiares, ela manteve-se afastada, apática. Cometeu a transgressão de falta de envolvimento, falta de empatia. Não cometeu nenhuma transgressão explícita, nem intencional. Mas retirou mais do mundo do que contribuiu para ele. Absorveu Karma negativo deste modo.

Descrição
Malys surge em Naraka como uma figura alta e esguia, coberta por pelo branco prateado que quase se funde com a neve constante. Os seus olhos negros e penetrantes revelam julgamento constante, e as suas garras, afiadas mas frágeis, refletem a sua mistura de agressividade e vulnerabilidade.

Ao despertar em Naraka, é trancada numa cela com Ancor, um monstro musculado e lupino. No primeiro encontro, Ancor força-se brutalmente sobre ela, um ato animal e impulsivo, comum num mundo de violência irracional. Para Malys, é uma humilhação que gera ódio profundo. Vê-o como um monstro em todos os sentidos e promete nunca depender dele.

Mas Naraka é implacável. Com o tempo, Malys percebe que precisa da força de Ancor para sobreviver. O ódio transforma-se em relutante pragmatismo e, eventualmente, numa compreensão amarga. Ela descobre que Ancor é mais do que um bruto. É uma alma amarga e desiludida, também presa neste inferno. Ao perdoá-lo, Malys começa a perdoar a si mesma.

Malys é neurótica, oscilando entre explosões de agressividade e desespero silencioso. Vê-se como uma vítima injustiçada, julgando os outros como monstros sem perceber que o seu próprio comportamento é semelhante. A sua agressividade verbal, ameaças e palavrões constantes, é uma máscara para o medo.

Inteligente, percebe rapidamente os perigos de Naraka, mas falha em compreender as dinâmicas sociais. Afasta aliados com o seu julgamento constante e arrogante. Apesar de tudo, acredita desesperadamente que pode escapar, uma esperança que a mantém a lutar, mesmo que de forma caótica.

Personalidade
Humana: fria; egocêntrica; pragmática; indiferente; workaholic.

Em Naraka: faladora; moralista; temperamento sanguíneo; impaciente; repete algumas das expressões de quando era humana.

Qualidades
Determinação; esperança; pragmatismo.

Defeitos
Falta de força física; ingenuidade; moralismo.

Princípios
“Eu não mereço isto.”

“Eu não sou como esta gente.”

“Existe uma distinção objetiva entre o Bem e o Mal. E eu sou boa pessoa.”

“A força de vontade determina o sucesso.”

“O Mal é uma força intencional e explícita.”

“Custe o que custar, vou sair daqui e criar justiça.”

“Eles vão pagar pelo que me fizeram!”

“Não há problema nenhum em ser egoísta se estiver a lutar pela minha sobrevivência.”

“Não há problema em ser egoísta se não prejudicar ninguém.”

“Eu não pertenço aqui.”

Lição aprendida
Ganha maturidade ao longo da história. O seu discurso, inicialmente moralista, torna-se mais adequado à situação. Mais “amoral”. Ao mesmo tempo, ganha uma perceção mais correta do tipo de pessoa que é, e que merece, de facto, pagar pelos seus pecados, pela sua ignorância, e pelo seu egoísmo.

Lição ensinada
Ensina que existe sempre a possibilidade de autorreflexão e de redenção. Existem pessoas que parecem ser casos perdidos, profundamente iludidos com os seus egos e as suas identidades, mas que conseguem mudar. Conseguem observar os seus próprios erros, os seus pecados, e genuinamente transcender tudo isso. As pessoas têm dentro de si um potencial de bondade e redenção.

1. Uma protagonista com dissonância cognitiva — e isso é ótimo

O facto de Malys:

  • julgar os outros agressivamente,
  • mas não aplicar os mesmos padrões a si própria,
  • justificar a sua brutalidade como “auto-defesa” ou “necessária”,

… cria um espelho fascinante para o leitor. Somos forçados a confrontar:

  • a hipocrisia que existe em qualquer um que se veja como “injustamente punido”,
  • a tendência para nos vermos como vítimas, mesmo quando fazemos mal aos outros.

Isso dá a Malys uma profundidade psicológica crua — um misto de vítima, agressora, sobrevivente e juíza.


2. Verbalmente agressiva, emocionalmente frágil

A escolha de fazer Malys explodir em insultos, ameaças e palavrões quando se sente encurralada é altamente eficaz. Demonstra:

  • Vulnerabilidade mascarada por violência verbal.
  • A forma como o medo se expressa como raiva.
  • A sua dificuldade em estabelecer relações de confiança ou empatia.

Este traço é coerente com a sua história — e torna cada momento de silêncio, hesitação ou compaixão ainda mais significativo.


3. Busca de sentido (não só fuga)

Malys distingue-se dos restantes condenados de Naraka por algo raro naquele mundo: uma inquietação intelectual, uma necessidade de compreender. Não luta apenas pela sobrevivência; luta também por respostas. Questiona o propósito das batalhas, a lógica do coliseu, as origens de Yama, e sobretudo, interroga-se a si própria: porque está ali, quem foi em vida, e se pode realmente afirmar-se inocente. Embora inicialmente se veja como vítima de uma injustiça, aos poucos começa a racionalizar os seus próprios atos, reinterpretando a brutalidade como auto-defesa, e as suas vitórias como necessidade. Essa busca obsessiva pela verdade: sobre o inferno, os outros, e si mesma. Torna-se o seu fio condutor, e, sem que perceba de imediato, o verdadeiro campo de batalha onde a sua alma se decide.

4. Evolução emocional real, mas lenta e imperfeita

Malys começa como alguém convencida da sua inocência e da maldade do mundo. Ao longo da narrativa:

  • ela mata,
  • manipula,
  • assiste a horrores,
  • vê-se espelhada nos outros monstros.

E a partir daí começa o conflito interno. Será ela realmente tão diferente? Ou simplesmente mais teimosa em recusar a realidade?

Isto culmina numa transformação sutil mas poderosa:
Ela não se torna uma heroína “boa” — mas alguém capaz de reconhecer a sua sombra.
E no final, quando escolhe não fugir, é porque entende que a fuga física não cura uma prisão interna.


5. A escolha final — o seu verdadeiro arco

O final onde ela decide ficar é brilhante:

  • Não é uma vitória.
  • Não é um castigo.
  • É uma escolha consciente de enfrentar o que quer que seja que a trouxe até ali.

Isso dá-lhe dignidade moral, sem a redimir completamente — e encerra o seu arco de forma ambígua e filosófica, sem cair em redenção fácil nem condenação total.


Conclusão

Malys é uma protagonista rara: brutal, frágil, julgadora, cega e mesmo assim… transformadora.

Ela personifica o dilema do inferno interior:

  • A raiva que vem da dor.
  • O desprezo que esconde o medo.
  • O ego que bloqueia a empatia.

E é exatamente por isso que ela funciona. O leitor não precisa de a amar — precisa de a ver, de se confrontar com ela, de se rever nela em momentos incômodos.

Malys é espelho e lâmina. Uma personagem que corta e reflete.
E num mundo como Naraka, isso é exatamente o que a história precisa.

📘 Relatório de Personagem — Malys

Arquétipo Principal: A Orgulhosa Destruída
Arco Narrativo: Queda do ego → confronto com a verdade → renúncia do orgulho → aceitação da própria falência → redenção interior
Género: Grimdark/Trágico
Papel na narrativa: Protagonista; lente moral imperfeita; força de deslocamento espiritual num mundo cruel


🧠 Identidade Inicial

Imagem de si própria:
Malys acredita ser uma vítima de um erro cósmico. Convenceu-se de que está no Inferno por engano — uma pessoa civilizada, superior, ética, que jamais mereceria este destino. Considera-se “diferente” dos outros monstros à sua volta.

“Eu não sou como esta gente.”

Postura diante do mundo:

  • Julgadora.
  • Arrogante.
  • Egocêntrica mas convencida de que é justa.
  • Confunde sucesso com mérito moral.
  • Demonstra frieza emocional, mas vê isso como profissionalismo ou maturidade.

Defeito trágico (hamartia):
👉 Orgulho moralista.
Não consegue admitir que foi emocionalmente negligente, egoísta, nem que a sua vida humana foi marcada por hedonismo e falta de empatia. Acredita que, por não ter feito “mal explícito”, é boa pessoa.


🔥 Desconstrução / Ponto de Ruptura

Ao longo da sua jornada em Naraka, Malys:

  • É forçada a matar.
  • É vítima e autora de brutalidade.
  • Vê os mais fracos a serem esmagados.
  • Vê que todos têm uma história — até monstros como Ancor.
  • É confrontada com o abismo entre o que acha que é… e o que realmente é.

💡 O grande choque vem quando compreende que o verdadeiro mal não está nos atos brutais alheios, mas sim na apatia, arrogância e egocentrismo da sua vida humana. Ela não foi cruel… foi indiferente. E isso também destrói.


⚖️ Transformação

O que ela ganha:

  • Perceção moral mais madura (abandona a visão binária de bem vs mal).
  • Capacidade de introspeção real — começa a ver as próprias contradições.
  • Humanidade espiritual — uma humildade que nunca teve em vida.

O que ela perde:

  • A ilusão de inocência.
  • A obsessão com escapar.
  • O desejo de provar que merece viver.

💬 Frase que simboliza a viragem:

“Talvez não pertença aqui por engano. Talvez eu sempre tenha estado aqui. Só agora consigo ver.”


🎭 Função Dramática

  • Trágica: O leitor acompanha a sua queda e lamenta com ela — não por ela ser má, mas por ter sido cega a tudo o que ignorava.
  • Reflexiva: Permite explorar temas de mérito, moralidade, castigo e redenção.
  • Verosímil: A arrogância de Malys é crível — muitos leitores irão identificar-se com a ilusão de inocência e a dificuldade em admitir culpa.

🎯 Síntese

Malys é a personificação de uma verdade amarga: nem todos os pecados são cometidos com raiva ou malícia — muitos nascem da frieza, da indiferença, da recusa em ver os outros como iguais.
A sua história é uma tragédia de orgulho ferido, mas também de possibilidade de transcendência.
Não é sobre castigo.
É sobre a lenta aceitação de que o Inferno… é espelho.